Gostaram?
A versão integral desse ensaio vocês encontram em meu Flick: http://www.flickr.com/photos/anthus_da_geb
Esta pequena porção da blogosfera será o território dominado pelos caprichos e devaneios de um recém-nascido ente artístico.
Marie, não sei se é bom ou ruim você arremessar no ventilador blogosférico meus descarregos filosóficos pós-implosões pessoais.
Minha cara, você melhor do que ninguém sabe exatamente, os motivos pelos quais me atiro em buracos negros existenciais. Você contou sobre parte desses motivos em seu último post...mergulharei em águas mais profundas no meu!
O que mais me enfurece nas pessoas? A covardia, a colossal falta de paixão e a acídia. Estes são os grandes males do homem atual, são as pás com que a maioria dos serezinhos humanos vem cavando suas próprias covas espirituais.
Todo santo dia me deparo com isso. Há dias, que logro não abalar-me com esses males humanos e há dias que minha blindagem emocional falha, entro num estado misto de depressão e rancor.
Não importa o tipo de tema, se profissional, familiar, amoroso infelizmente, as pessoas tem tratado tudo com um tremendo pouco caso. É como se nada mais valesse a pena.
Há algo mais desolador que ter que encarar o mesmo quadro ignóbil todos os dias?
E como reclamam! Tudo é difícil, tudo é um sacrifício. Talvez tudo seja mesmo uma imensa...droga, nada fácil de suportar, mas onde é que cada um enfiou a sua fé, sua obstinação?
Pra ser sincera, até imagino onde meteram tudo que lhes falta para viver com entusiasmo, entretanto não faltarei com a elegância neste espaço, omitirei sobre o destino vil que algumas pessoas têm dado para sua fé, obstinação, paixão coragem e garra.
Por que tanto medo em se entregar à busca do novo ou daquelas velhas experiências que dão prazer à alma e ao corpo? O que há? O que passa? Isso me irrita, me adoece sentimentalmente.
Estoy podrida de todo eso!
Pensando e repensando, acredito que a acídia é a matriz geradora dos outros males. Ela não é apenas um vício capital. Não quero entrar em discussões teológicas mesmo porque, penso que nos basta tudo que foi dito por Tomás de Aquino, e quem sou eu para discutir sobre as conclusões de um Santo? Apenas acredito que a acídia é a completa falta de amor próprio, a esperança que os pobres coitados, auto-acorrentado em inércia, têm de que o mundo irá parar de girar e então, tudo se tornará tão podre quanto eles.
Apesar de me aborrecer, recuso-me a engolir essa realidade. Não me serve e não compactuarei com idéias de pobreza de ação e espírito.
Missões, nós artistas temos muitas, a mais árdua consiste em despertar os indivíduos para um viver intenso, comprometido, apaixonado e entusiasmado.
O segredo das belas existências está na capacidade de sublimar poéticas íntimas. Quando são elevadas, transcendem. Lindo, não é mesmo? É melhor que a brisa aromática de um jardim na primavera, no entanto, nada disso combina com leseira.
Se você é um palerma, continue em sua cabaninha enterrada na neve, mas saiba que impotência existencial tem cura, basta você querer ser curado.
Não adianta nada que a Arte tenha um antídoto contra estagnação se os estagnados se recusam a tomá-lo.
Picasso pintou alguns arlequins durante seu percurso como pintor.
Onde nasce esta “queda” por arlequins? Acredito que tudo começou depois de seu envolvimento com o mundo do espetáculo (Ballet Russo, Diaghilev...). Desse “caldo teatral” surgiu o flerte com a commedia dell’arte, que acabou originando as centelhas inspiratórias que criaram os seus arlequins.
“Pablo vestido de Arlequim”
Pablo Picasso
1924
Óleo sobre tela
Dimensão: 130cm x 975cm
Acervo do Museu Picasso em Paris (França)
Imaginaria Picasso que, no futuro, seus arlequins inspirariam um desfile de alta-costura em Paris?
Em 2007, outro espanhol, Juan Carlos Antonio Galliano, mais popularmente conhecido como John Galliano, no 60º aniversário da criação da Maison Christian Dior apresentou um luxuoso desfile de vestidos inspirados em seus pintores preferidos e suas obras. Picasso foi um dos eleitos e seus arlequins foram as obras escolhidas por Galliano para inspirar um de seus modelos.
Modelo criado por John Galliano para desfile comemorativo da Maison Dior
Arlequim
Anthus da Geb
2007
Pastel sobre papel Kraft
Dimensões: 297cm x 420cm
Coleção Particular
Eis o ciclo sagrado: da arte para moda, da moda para arte.
A poética se repete, porém com novas roupagens dando passagem a novas releituras. Tais reflexões nos permitem parafrasear Lavoisier, afirmando que em arte ou em moda nada se cria tudo se transforma. A paráfrase é pretenciosa? Talvez, no entanto, abre-nos a cortina que separa conversas frugais sobre as Artes humanas das discussões espirituais sobre as contribuições sensoriais das Artes nas vidas humanas.
Descortinada a natureza íntima das sensações, fruto de estímulos artísticos, se torna óbvia a poesia existente na arte em papel de Madame Borchgrave.
Reprodução em papel de vestido de época
Isabelle de Borchgrave
Isabelle de Borchgrave, por meio do “trompe l’oeil”, trouxe para uma efêmera realidade celulósica a vestimenta da Infanta Margarida. Parte de “Las Meninas” de Velázquez deixa de ser imagem ilusória e ganha vida, corporificando uma poética em papel, uma poética repetida e ainda sim, transformada.
O Carnaval de Arlequim
1924-1925
Óleo sobre tela
66x93
Albright-Knox Arte Gallery, Buffalo (Estados Unidos)
O que vocês acham?
André Breton dizia que Miró era o mais surrealista de todos os surrealistas. Entretanto, nem tudo que leva a formação de uma pintura é surreal. Geralmente, as causas são bem reais!
A tela, “Carnaval de Arlequim”, foi inspirada nas alucinações causadas pela fome sentida por Miró. Fome de comida, meus caros e minhas caras! Existe algo mais degradante e humilhante, do que estar em Paris e não ter para comer nem as migalhas de um brioche que Maria Antonieta amassou? Que falta faz uma Gertrude Stein na vida dos bons e famintos artistas!
O próprio Miró relatou que quando voltava ao ateliê da rua Blomet à noite e deitava às vezes sem jantar, ele via coisas e as anotava no cadernos, via alucinações no teto.
É...a fome tem um efeito lisérgico impressionante. Se a moda pega, o tráfico cai em desgraça financeira! Ai, ai, é melhor eu deixar a sátira de lado antes que Miró decida assombrar-me durante o sono.
Esta tela encerra a fase das obras dominadas pela imaginação (será que encerra a fome somaliana em solo francês de Miró, também?).
Meninos e Meninas, não é uma obra fácil e exige de nós, bem nutridos observadores, meticulosa observação. A composição gira em torno de dois personagens centrais: um robô que toca viola e um arlequim com grandes bigodes e corpo de viola. A seu redor, uma multidão heterogênea de animais e objetos excêntricos se revela alheia à ação dos dois personagens. Uma cena de baile de carnaval.
Observem que sobre um plano quadriculado, o artista divide horizontalmente a tela ao meio, separando cromaticamente a parede do chão, e distribui as figuras de forma equilibrada. As paredes possuem manchas de umidade e pela janela se vêem o sol e a torre Eiffel, reflexos do exterior. Não é a pintura de um doido faminto, é a obra de um artista comprometido. Com a fome ele dormia, e dessa união noturna nasceu o carnaval.
Este era o mundo interior de Miró, um mundo musicalmente fantástico. Uma alucinação carnavalizada. A fome concedeu um banquete surreal aos nossos insaciáveis olhos.
Marie....cadê você? O próximo ato é seu!